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terça-feira, 4 de maio de 2010

“ Com fome ninguém tem motivação para estudar ou ler”

“ Com fome ninguém tem motivação para estudar ou ler”

Por: Taísa Silveira

O brasileiro médio lê pouco. Lê muito pouco, e isso é também um reflexo direto da educação do nosso país. Segundo o IBGE, com dados do ano de 2002 e 2003, o brasileiro lê apenas cerca de 1 livro não didático ao ano, uma das piores médias mundiais em níveis de leitura. A pesquisa revelou também que a quantidade de leitores assíduos está diretamente ligada à classe social dessas pessoas: quanto mais alta, mais livros lêem. Nos últimos 30 anos mais pessoas ascenderam à classe média no país o que significou um salto de 1,8 livros lidos por ano, para 4,7 livros ( incluindo os livros indicados pela escola). Segundo Galeno Amorim diretor do Centro de estudos Observatório do Livro e da Leitura, “ quando a pessoa deixa de estudar, ela passa a ler menos da metade do que lia”.

Mas esta é uma realidade que podemos comprovar também nas pequenas regiões do Brasil, especialmente nos estados que possuem menos investimentos na educação, como é o caso da região Nordeste.

Raquel Pinto, é estudante universitária do curso de História, e já tem algumas experiências com o ensino público de nosso país “ eu dei aula na 4ª unidade para alunos de oitava série, que em termos gerais não conseguiam entender a funcionalidade do estudo da História na vida deles. Percebi nas aulas que eles não tinham uma carga boa de leitura, essa leitura não foi dada nem na escola nem em casa, os únicos livros que eles têm acesso é o livro didático e a bíblia em casa”afirmou. As dificuldades para estudar em regiões como Cachoeira e São Félix ( as cidades em que Raquel lecionou), vão além da falta de acesso à livros “a maioria de meus alunos vêm da zona rural, muitos deles só vão para a escola por causa da merenda , para muitos é a única refeição do dia. Com fome ninguém tem motivação para estudar ou ler”.

Os problemas do nosso ensino público estão também na formatação destas turmas, que são desniveladas. Em sua grande maioria, crianças assistem aulas com adultos e as aulas terminam por não proporcionar o ensino pleno para nenhuma das faixas etárias. É o que se chama de ensino seriado, quando numa mesma classe mistura-se inúmeras faixas etárias e as séries são “atropeladas”, ou seja, numa mesma classe o aluno aprende matérias da 1ª à 4ª séries sem o menor planejamento pedagógico, comprometendo imensamente o aprendizado dos alunos.

Segundo Raquel, esse também é um grande problema da rede pública “ eu dei aula a 15 alunos de faixa etária que variava dos 13 aos 23 anos, e um dos alunos me disse que ele já tinha 24 anos e estava na quita série e eu apenas um ano mais velha já era professora dele. O que pude perceber é que eles ficam desmotivados, pois os alunos mas velhos que estão locados em séries de faixas etárias diferentes das suas são pessoas que deixaram de estudar a muito tempo, e estão retomando os estudos, ou são repetentes”.

Uma crítica passível também é o método tradicionalista que ainda perdura nas escolas, o que dificulta a compreensão de muitos desses alunos sobre as questões que são passadas pelo professor “ infelizmente, o método tradicionalista ainda impera na maioria das escolas brasileiras, mas acredito que o método regionalista é mais próximo da realidade deles, pois ressalta coisas que são próximas do que eles vivem” ressalta Raquel.

Com tamanhas dificuldades o número de evasão escolar continua alto, de uma sala onde 40 alunos foram matriculados e apenas 15 comparecem regularmente às aulas,torna-se difícil transformar a escola num ambiente atrativo, mas a universitária diz que falta também um pouco mais de vontade de realizar coisas diferentes “ como eu estava como professora substituta, eu não poderia mudar o programa pedagógico da escola, mas eu procurei adequar os conteúdos dentro das possibilidades que eu tinha. Tem que ser um trabalho conjunto, da escola dos professores e dos alunos para mudar essa realidade; quando tive oportunidade eu levei filmes, musicas e outros recursos didáticos para a sala de aula e a resposta foi muito boa, foram uma das melhores aulas que eu dei. Os alunos precisam sentir-se confiantes para falar e expressarem o que eles pensam. Muitos deles nem levavam o livro didático para a escola por que ele não era usado, quando eu comecei a utilizar, eles voltaram a levar e a resposta foi positiva.”

As escolas públicas receberam uma verba significativa do Governo Federal para se equiparem melhor a fim de atender as demandas estudantis, o problema é que esses recursos pouco são utilizados e infelizmente a biblioteca e seus livros é um deles. Em inúmeras escolas, retro-projetores, aparelhos de DVD’s e a própria biblioteca ainda têm acesso restrito ou quase nulo. O que precisa ser modificada é a forma como esses alunos têm acessos à esses recursos para que o aprendizado torne-se uma coisa prazerosa e que os livros não sejam vistos com tão pouca importância.

No embalo D’Ajuda

A Festa D’Ajuda tem mais de 200 anos de existência e ainda causa polemica entre a população de Cachoeira. Desde os anos 70, a festa passou por represálias de autoridades, não só policiais como religiosas, por ser considerada um tanto quanto profana.

Nesse ano, houve certos rumores de que a festa simplesmente não iria sair às ruas com os Embalos por conta de alguns descontentamentos.

A Festa D’Ajuda, no entanto, é o momento em que toda a cidade se confraterniza em torno de uma causa maior e acima dos problemas cotidianos. É quando desde o cidadão mais simples às famílias mais tradicionais unem-se numa grande massa pelas ruas, cantando as cantigas que outrora serviram de enfrentamento político perante as mazelas da população, tão ignoradas pelas grandes autoridades.

A festa pode ser comparada aos antigos bailes à fantasia, exportados da Europa, com a singularidade da sátira, pois os personagens simbólicos representantes da festividade, como as Cabeçorras, relembram a corte portuguesa, e fazem uma alusão jocosa àquela elite falida, mas que se mantinham com uma postura austera e soberba de uma riqueza já etérea.

As Cabeçorras satirizavam as enormes perucas usadas pela corte, para se diferenciarem da população em geral. Mas a idiossincrasia da Festa D’Ajuda permite, hoje em dia, transcender um pouco as críticas políticas e re-significar fatos cotidianos ou que ultrapassam até mesmo o vale em que Cachoeira se ‘esconde’, como no ano em que um grupo da cidade lançou o bloco dos talibãs, numa clara referência aos grupos ‘terroristas’ que derrubaram as torres gêmeas nos Estados Unidos.

Mas, tudo passa, tudo acaba e, assim como na semana em que tudo é permitido, em que todos são iguais, independente de credo, cor e opção sexual, as estruturas sociais voltam ao normal na segunda-feira. Parafraseando Vinicius de Moraes, a Festa D’Ajuda parece a grande ilusão do carnaval/ a gente trabalha o ano inteiro/por um momento de sonho/pra fazer a fantasia/de rei ou de pirata ou jardineira/pra tudo se acabar na terça-feira.

Feriado nacional

Hoje foi declarado pelo nosso presidente da república que o dia 20 de novembro será feriado nacional: O dia da Consciência Negra. Mas consciência de quê mesmo?! Em seu discurso rápido na Praça da Sé, em Salvador, na última semana, ele ressaltou a importância de existirem negros na universidade. Segundo ele, “nunca na história desse país” houve oportunidade para negro e pobre estudar. Ele também falou do “dignificante” trabalho da polícia, dizendo que os pobres não precisam dela, precisam de educação. Confesso que até me emocionei um pouquinho.

O discurso do governador da Bahia, Jaques Wagner, na mesma ocasião, também foi bonito. Ele expôs dados e números que a população, que realmente é atingida pela violência urbana e pela falta de acessibilidade aos meios básicos de sobrevivência digna, desconhece.

Será que a população que mora nas palafitas tem consciência da importância do dia 20 de novembro? Talvez fique meio difícil manter-se acordado quando não se come há 3 dias, manter aquela consciência desperta…

A praça não estava muito cheia para ouvir o presidente; muitos negros, muitas negras circulavam de um lado para o outro, mas pouco vi dos movimentos negros organizados pelas ruas protestando por alguma coisa. Será que temos a consciência de que o dia 20 de novembro é um dia de protestos e não de comemoração pura e simples?

Não demorou muito para praça encher novamente. Estavam todos à espera do show de Margareth Menezes e cia. Aí sim eu vi empolgação e brilho nos olhos das pessoas. Acho que fazer a população ter consciência do que o 20 de novembro realmente significa vai demorar um pouco. Transformá-lo em feriado nacional, apenas aumentou o nosso calendário festivo.

Mãe Beata grava documentário biográfico em Cachoeira


Mãe Beata de Yemanjá, por Francisco Moreira da Costa, fotógrafo do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular


A ialorixá Mãe Beata de Iemanjá volta a Cachoeira para protagonizar documentário sobre sua vida. Produzido pelo seu filho caçula Aderbal Ashojun, que já trabalha na área de audiovisual, o documentário procura reviver alguns caminhos percorridos por sua mãe durante seus 79 anos de vida.

Aderbal justifica a idéia da produção pela necessidade de exaltar uma faceta de sua mãe que foi de certa forma esquecida por outros trabalhos feitos a respeito de sua vida. “Minha motivação foi a partir da necessidade de mostrar o outro lado de minha mãe, aquela que é sofrida, batalhadora e que não é só a representante do Candomblé”, alega. Para ele, falta esse outro olhar sobre a história de sua mãe “porque politicamente não interessava exaltar uma mulher negra, pobre e vinda da Bahia que venceu na vida e cultua a religião do Candomblé”.

Ele relata que seu contato com esta religião de matriz africana é “anterior” ao seu nascimento que ocorreu dentro do terreiro “debaixo do pé de Iroco”. “Dentro do terreiro de Candomblé, já havia um médico de pré-aviso sobre meu nascimento para auxiliar minha mãe na hora de meu parto, que foi cesariana porque ela não tinha passagem suficiente”, conta.

Sobre sua infância dentro de uma família ligada às tradições africanas, Aderbal ressalta a “particularidade” de ser criado sob os preceitos do Candomblé. “A maior obra realizada por minha mãe foi criar meus irmãos e a mim sob os princípios da verdade, do respeito ao próximo e à natureza”, destaca.

Hoje, ele dirige uma ONG vinculada à preservação da natureza e educação ambiental dentro dos terreiros de Candomblé, com a parceria do INGÁ – Instituto de Gestão das Águas e Clima, do Governo da Bahia, da Secretaria da Cultura, do Omo Aro Cultural e do INTECAB – Instituto Nacional da Cultura Afro-Brasileira. O projeto Oku Abo procura garantir que as comunidades de terreiro tenham acesso às lagoas e cachoeiras, além da livre expressão de sua religiosidade e conservação de seus bens naturais.

De Cachoeira para o mundo

Mãe Beata de Iemanjá foi iniciada no Candomblé por Mãe Olga do Alaketu, no terreiro de Ilê Maria Laji, em Salvador. Participou de inúmeros eventos, muitos deles internacionais divulgando a importância da religião de matriz africana pelo mundo, em países como Holanda, Alemanha e Estados Unidos. Ela possui inúmeros projetos sociais ligados ao seu terreiro de Candomblé, localizado no Rio de Janeiro, cidade que adotou para viver. Para ela, sua missão na terra é dar voz aos mais fracos e desvalidos. Mãe Beata mantêm ainda um site de sua ONG Criola, voltada para o trabalho com mulheres, adolescentes e meninas negras no Rio de Janeiro.

Ela ficará na cidade até a próxima semana, onde irá fazer as gravações de algumas tomadas de seu documentário na sua cidade natal, Cachoeira, em seguida retornará para o Rio de Janeiro.