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quarta-feira, 28 de maio de 2008

Atelier de Dory


Ateliêr de Dory
-Cachoiera, BA-
Câmera: Sony Alpha 100

sexta-feira, 23 de maio de 2008

“Fazenda Santa Fé, todo mundo põe o pé”


“Fazenda Santa Fé, todo mundo põe o pé”
60 anos de ocupação e demais irregularidades em Cruz das Almas

Por Alanna Oliveira, Sandrine Souza e Taísa Silveira.

Uma mistura de negligência administrativa somada a uma série de fatores corroborou para ocupações irregulares no Campus de Cruz das Almas da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia) e para a situação ilícita quanto à posse oficial da terra onde está localizado. As conseqüências são uma média de 300 famílias vivendo no espaço da universidade, muitas delas em condições subumanas e a pressão a qual está submetida a instituição para legalizar com urgência a posse.Onde hoje funciona a UFRB, primeiramente foi a Escola Agronômica da Bahia, que surgiu a partir da desapropriação de minifúndios. Em 1967 o território passa a pertencer a UFBA( Universidade Federal da Bahia) e finalmente em 2006 passa a UFRB. Estão regularizados 1466 ha no cartório de São Félix em nome do estado da Bahia. Os problemas começam aí. O governo federal só constrói em espaços da União e existe uma diferença de 494 ha de quando houve a desapropriação até hoje.A universidade está em processo de implantação dentro de uma perspectiva de REUNI (Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), serão abertas novas vagas em cursos já existentes e outros estão sendo criados. Isso significa o aumento da demanda por estrutura física. Porém, no mês passado a construção de prédios em Cruz foi interrompida e até que o território passe efetivamente para a governo federal nada mais será construído. Onde o reitor vai colocar tantos estudantes? Paulo Gabriel Nacif afirma que se as verbas para construção deixarem de vir que não vai permitir as entradas propostas no REUNI-UFRB. Este problema é global, pois nenhum dos campi da universidade tem a posse do espaço físico legitimada em cartório. Mas, ele diz que está tudo sob controle e que a comunidade acadêmica não deve se preocupar.A questão da irregularidade das terras da UFRB, conta com uma equação complicada e de difícil resolução. O problema além de ser legal decorrente da falta de registro dos papéis em cartório, possui um elemento que transcende a justiça pura e simples: a ocupação ilegal dessas terras por pessoas físicas.“No processo de construção da escola agronômica foi criada uma estrutura para que os funcionários e os professores pudessem ter condições de moradia no campus, na medida que essas pessoas fossem se aposentando elas teriam que ir saindo e outras viriam para ficar nas casas e ir substituindo-as, o que não ocorreu”, diz o professor José Aécio, que elaborou em 1995 depois de pesquisas e análises uma proposta para reordenamento do campus.Da mesma forma os homens que vieram trabalhar na construção dos prédios também se fixaram na periferia do campus. Com o passar dos anos, continuaram a ocupar as terras, gerando núcleos de habitações irregulares, que vivem basicamente da agricultura de subsistência, aposentadoria e programas assistencialistas do governo. Existem duas comunidades principais nessa situação de ocupação ilegal: a Sapucaia e Baixa da Linha. Algumas pessoas foram fazendo construções na área da universidade como se não houvesse dono. O prof. Geraldo Sampaio, um dos idealizadores de uma proposta de estudos para o reordenamento físico, afirma que a expressão ouvida certa vez Fazenda Santa Fé, todo mundo põe o pé, caricata bem o campus.O que fazer com essas pessoas que vivem a tantos anos nessas comunidades? É necessário perceber que se trata de seres humanos e da subjetividade ligada ao lugar onde vivem. Em 2004, quando houve o rumor de que eles teriam que sair das terras da universidade um morador da Linha suicidou-se, afirma Ciro, estudante de Agronomia da UFRB.
HISTÓRIAS- *Gimalra Silva e Edmando Silva, casaram-se e foram viver na Baixa da Linha há oito anos. Têm quatro filhos, Hélio, Henrique, Jucimara e Henia. A última mora com sua avó. Gimalra estudou até a quinta série e seu marido até a terceira. Quando chegamos ela lavava roupas sobre uma lona com um balde cheio d’água ao lado e, os seus os filhos ao redor. Ao fundo ouvia-se uma música internacional. O pai estava dentro do barraco onde moram e ao notar a presença de estranhos saiu para falar conosco. Eles disseram viver ali por falta de escolha. Os dois estão desempregados, comem com o dinheiro dos “bicos” que Edmando consegue esporadicamente e com os auxílios do governo federal. Os moradores não têm acesso a saneamento básico, não há escolas, nem segurança pública. A eletricidade chegou a pouco tempo e para se ter água é necessário trazer da fonte com um balde sobre a cabeça. Geraldo Sampaio diz que essa região é a Etiópia da UFRB. *Mário José mora a 50 anos na Baixa da Linha. Ele nasceu na comunidade e teve 60 filhos. Mora numa casa de taipa com chão de terra e sem divisões, dentro da casa só uma amontoado de coisas velhas. Um fogão antigo, uma cortina suja e pedaços de papelão pelo chão. Diz já ter trabalhado como vaqueiro e eletricista, mas que o que queria mesmo era trabalhar com a terra. As dificuldades enfrentadas no dia-a-dia parecem não abalar seu encantamento pela vida. Ele é um homem altivo, com um riso forte sempre no rosto e olhar alegre. Mostrou com uma felicidade transparente uma madeira desenhada: “Essa é a minha arte”, diz ele, com olhos marejados.Nem todos os que vão morar na universidade o faz por não ter condição de ir para outro lugar, alguns simplesmente aproveitam a falta de fiscalização e a corrupção de outros. Aécio afirmou que inclusive servidores envolveram terras da universidade em campanhas políticas. Moradores da Sapucaia afirmam que tiveram o consentimento de diretores do campus, enquanto ainda pertencia a UFBA, para construir casas.“Tem uma figura que é ex-funcionário da Leste, aposentado e ganha, dizem, entre três e quatro mil reais, que construiu uma casa de alvenaria aqui e botou a mulher, aí brigou com a mulher, construiu outra casa de alvenaria e botou a amante, aí brigou com a amante, aí vem pra cá, para o diretor, que era Paulo na época, tomar uma das casas dele, que estavam com as mulheres. Esse cara vai ter o mesmo tratamento que os outros que foram marginalizados que foram segregados da sociedade civil, que estavam a baixo da linha de pobreza? Essa realidade está aí também.” Geraldo é contra a expulsão irresponsável dos moradores, mas chama a atenção que as diferenças acima devem ser levadas em consideração.Na Sapucaia estavam Natalina Fernandes, 58, moradora de lá a cerca de 30 anos. Ela tem 11 filhos que foram criados lá e 19 netos. Trabalhou na roça, mas já não trabalha com a terra. Disse que foi morar na Sapucaia para não pagar imposto, o que ela considera fora de moda. No fim da conversa, ela pergunta a nós com tom hostil, que estávamos no carro da universidade, se queríamos tirar eles de lá. Outras pessoas não quiseram falar sobre o assunto.Aécio diz que o nível de escolaridade dos posseiros é muito baixo, principalmente os da Linha, e que é muito triste ver essa realidade dentro da universidade. Ele alerta que apesar de toda complexidade da situação se não forem tomadas medidas corretivas o problema irá aumentar cada vez mais. No levantamento feito pelo prof. Amílcar Baiardi em 2004, já foi perceptível o aumento de famílias em relação aos dados coletados em 95. Para completar alguns ocupantes querem a posse das terras.Aécio é contra a doação das terras aos posseiros. Ele diz que uma hipótese seria ceder uma terra ao município para que o órgão que realmente tem como resolver o problema e assistir a população o faça e aproveitar a demanda dos que querem trabalhar com a terra para viabilizar a pesquisa e a extensão através da capacitação rotativa dos mesmos. Ainda ressalta a importância de ouvir o que estas pessoas querem, o que ele não fez na sua pesquisa.Nacif diz que a questão fundiária é uma preocupação da reitoria e que também não é a favor de doação de terras da universidade para os posseiros. “Eu acho que dentro das resoluções dos problemas, podemos inclusive determinar que alguma parte da área, eventualmente, sirva para algum tipo de assentamento modelo, assentamento pequeno, mas não é possível simplesmente desmembrar tudo e dar a posse aos posseiros, só para vocês terem uma idéia, temos algo em torno de 300 famílias ocupando a UFRB. Se nós dermos 5 hectares a cada uma dessas famílias, que é uma área pequena, somariam 1500 hectares, que seria a área da UFRB”, diz.Há uma outra comunidade que vive nas dependências do campus de Cruz, a Volta Terra. A idéia inicial era fazer uma rotatividade, onde os trabalhadores do campo marginalizados nas periferias das cidades passariam um tempo na terra aprendendo técnicas de plantio e depois voltariam ao lugar de origem. O projeto já tem 18 anos e não houve esta rotatividade. O presidente da comunidade, Josué, fala das dificuldades enfrentadas e reinvidica a posse da terra, alegando que eles só podem receber um incentivo federal de R$ 1.500 e que com a posse teriam acesso a outros mecanismos de incentivo ao produtor rural. Com o apoio do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) eles pressionam a reitoria. No entanto, a universidade não tem o poder de doar terra, até mesmo porque não tem a posse dela. Essa é uma outra questão delicada que envolve o Campus de Cruz das Almas. Geraldo propôs um questionamento: Se o Volta Terra que está a 18 anos alega o direito à terra outras pessoas que trabalham a mais tempo na universidade poderiam alegar esse direito também?O reitor disse que ceder terra a esta comunidade não é possível. “Trata-se da terra mais valorizada da UFRB e para onde nós estamos encaminhando o nosso crescimento, nós temos sensibilidade, temos ações concretas em direção a resolução dos problemas e é importante dizer que todas as questões serão resolvidas tendo o principio básico de que se trata de um problema que envolve questões sociais seríssimas. Não é o caso de polícia. Quanto às ameaças desse pessoal, nós não vamos trabalhar sobre ameaça. Não temos medo do MST, nem do Volta a Terra, nem de nada, nós vamos ter uma comissão trabalhando para propor soluções técnicas e no devido momento discutiremos com a comunidade, agora nós não vamos aceitar ultimato de ninguém por que estamos na nossa casa, essa é a nossa universidade, nós cumprimos nossas funções sociais e nós respeitamos todos esses movimentos, queremos também respeito à instituição, diz ele.

*Nomes fictícios para preservar a identidade dos entrevistados